quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A comida que emagrece

A ciência revela que vários nutrientes são capazes de estimular o corpo a evitar o ganho de peso. As descobertas estão modificando o cardápio de quem está de dieta e incentivam a indústria alimentícia a criar produtos que ajudam na luta contra a balança
Se você está procurando caminhos mais eficazes para perder peso, que tal inserir alguns alimentos no cardápio, em vez de apenas riscar do menu as opções que engordam? Se a sugestão assustou, relaxe. Na verdade, trata-se de uma das mais modernas e espertas estratégias traçadas pela ciência para ajudar quem deseja emagrecer: usar a nosso favor o poder de determinados alimentos para nutrir e ao mesmo tempo evitar o acúmulo de peso. É a comida que emagrece. A descoberta de que, sim, ela existe foi uma das mais importantes informações obtidas nos últimos anos pelos estudiosos que se dedicam a investigar saídas contra a obesidade. “Chegamos à conclusão de que o caminho para acumular menos calorias não é simplesmente cortá-las”, disse à ISTOÉ Darius Mozaffarian, da Universidade de Harvard (EUA). “Hoje sabemos que ingerir mais de diversos tipos de alimentos está associado à perda de peso”, completou.O que o pesquisador americano está afirmando aqui não se refere à velha máxima de que se deve aumentar o consumo de opções com menor quantidade de calorias se o objetivo é emagrecer. A recomendação continua correta, é claro. O que o cientista quer dizer é que dezenas de pesquisas estão demonstrando que vários alimentos ajudam a prevenir o ganho de peso não por causa da quantidade de calorias que apresentam – ou não somente por isso –, mas devido à ação de nutrientes específicos que impedem o depósito de gordura no organismo.Essa nova linha de abordagem tem como embasamento a constatação de que os efeitos da comida no organismo e a nossa relação com os alimentos são muito mais complexos do que se imaginava. “Há, por exemplo, uma ligação importante entre o cérebro e o aparelho digestivo”, afirma o endocrinologista Walmir Coutinho, presidente eleito da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade. De fato, descobriu-se a existência de uma espécie de segundo cérebro no corpo: cerca de 100 milhões de células nervosas, do mesmo tipo das que existem no cérebro, estão distribuídas pelas paredes do estômago, esôfago e intestino. E elas estão lá com um propósito claro: participar da regulação das sensações de fome e saciedade. Por meio delas são gerados sinais que vão do intestino ao cérebro avisando quando é hora de parar de comer.
E o que se verificou foi que o envio desses avisos está vinculado ao tipo de alimento em trânsito no aparelho digestivo. Alguns, como carboidratos simples, presentes em pães e massas brancas, por exemplo, demoram mais para estimular os sinais de saciedade. Outros, ao contrário, são mais rápidos na tarefa. Entre eles estão os óleos e gorduras. “Hoje, o estudo da digestão precisa levar em conta o funcionamento do intestino-cérebro”, afirmou à ISTOÉ Heribert Watzke, conselheiro científico do centro de pesquisa em alimentos da Nestlé, na Suíça. “Ele deve ser considerado como um órgão neurológico ativo.”O pesquisador está concentrado em estabelecer meios de prolongar o tempo de permanência dos alimentos no intestino para aumentar a percepção e a duração da saciedade. Com essa perspectiva, Watzke e sua equipe trabalham em modificações na estrutura do óleo de oliva para que ele seja digerido mais lentamente e fique por um tempo maior no intestino. “Descobrimos que um dos produtos resultantes da digestão do azeite, os monoglicerídeos, desaceleram o processo se estiverem presentes desde o início nesse alimento”, contou ­Watzke. Eles criaram em laboratório moléculas de monoglicerídeos e as adicionaram ao azeite. Após a alteração, sua permanência no intestino foi mais prolongada, aumentando a saciedade.No Reino Unido, o governo financia trabalhos com o mesmo objetivo. Um dos estudos mais promissores avalia a adição dos galactolipídeos – moléculas de gordura encontradas em cereais – aos alimentos para desacelerar a digestão da gordura. Por enquanto, os britânicos experimentam o desempenho dessas moléculas em uma máquina que simula o estômago e o intestino humanos. “Não queremos parar a digestão da gordura porque isso causaria efeitos ruins, mas estamos seguros de que diminuir a velocidade do processo trará benefícios”, disse à ISTOÉ Peter Wilde, do Institute of Food Research, em Norwich. Ele espera que os galactolipídeos sejam usados como ingredientes de alimentos ricos em gordura como maionese e sorvetes.
Outro estudo inglês avalia o desempenho do alginato, substância extraída de algas marinhas, em substituição à gordura. “O alginato é uma fibra que retarda a absorção de nutrientes pelo intestino”, explicou à ISTOÉ Jeff Pearson, da Universidade NewCastle e coordenador do trabalho. Os resultados iniciais revelam que a mistura da fibra pode evitar que cerca de 85% da gordura ingerida seja absorvida. Pearson e seu time desenvolveram um pãozinho com alginato. “O sabor ficou ótimo”, garante o cientista. A meta é concluir os testes com o produto até 2013.Os efeitos da gordura na relação entre cérebro e digestão estão entre os focos principais dos estudiosos. Recentemente, a pesquisadora Deborah Clegg, da Universidade Southwestern (EUA), fez revelações interessantes a esse respeito. Ela descobriu que um componente das gorduras de origem animal (carne, leite e seus derivados), o ácido palmítico, aumenta o desejo de comer. “Ele interfere nos sinais trocados por estruturas celulares e atrapalha a percepção da saciedade”, explicou à ISTOÉ. “A pessoa tem vontade de continuar comendo.”Para chegar a essa conclusão, ela testou em animais o impacto de vários tipos de gordura no cérebro. A investigação mostrou que a ingestão de carnes e queijos, especialmente, fornece um aporte de ácido palmítico que depois de cair na corrente sanguínea, o que acontece após a digestão, consegue atravessar a barreira hematoencefálica que protege o cérebro e atua em estruturas como o hipotálamo, que regula a ingestão, e o hipocampo, onde essas moléculas prejudicam a memória e a cognição. “Ao penetrar em diferentes núcleos cerebrais, o ácido palmítico bloqueia a atuação de hormônios envolvidos na saciedade, no peso e no gasto ener­gético”, diz.
Embora a mai­oria das iniciativas nesse campo ainda esteja em nível de pesquisa, já existem produtos industrializados criados para interferir nos sinais da saciedade. Um deles é uma emulsão de água e óleos de palma e aveia fabricada pela empresa holandesa DSM. A substância, com o nome comercial de Fabuless, é adicionada a produtos dietéticos pela indústria de alimentos ou vendida em potinhos para ser acrescentada em receitas caseiras. “A digestão dessa mistura é mais lenta por causa de substâncias contidas no óleo de aveia. Por isso, quando ela chega ao intestino, um sinal de saciedade é enviado ao cérebro”, disse à ISTOÉ o francês Bruno Baudoin, gerente de produtos da companhia holandesa. No Brasil, a substância é indicada por nutricionistas como Lucyanna Kalluf, do Instituto de Prevenção Personalizada, em São Paulo. “Peço para adicionar aos sucos e sopas”, diz. Entre os produtos com a mistura estão um leite de soja fabricado pela Ohki Pharmaceutical, lançado no Japão no ano passado, e o leite Silhuette Active, disponível na França. Outra opção de nutriente já acessível são as fibras do tipo inulina. “Elas prolongam a permanência dos alimentos no estômago e no intestino”, explica a nutricionista Cynthia Antonaccio, da Equilibrium Consultoria Nutricional, em São Paulo. Por isso, alimentos como a chicória, rica fonte de inulina, começam a ser incluídos com mais frequência no cardápio de quem precisa emagrecer. Na Alemanha, são vendidos suplementos em pó e tabletes de inulina extraída da chicória. “Há frações da inulina que têm sabor doce e podem substituir o açúcar. Outras substituem a gordura por causa da textura cremosa”, disse à ISTOÉ Marjan Nowens-Roest, da Sensus, empresa alemã que fabrica o Frutafit, nome comercial da linha de produtos contendo o nutriente. Outras fibras, como o glucomanan, estão sendo incluídas em alimentos como a Pasta Slim, um fettuccine fabricado pela Wildwood e vendido nos Estados Unidos. Bem ao alcance da mão estão outras boas alternativas para adiar a fome. Grãos integrais, iogurtes e nozes estão entre elas. “Eles demoram mais tempo para ser digeridos e melhoram o processo digestivo”, afirma a nutróloga Vânia Assaly, de São Paulo, e membro do Institute of Internal Medicine (EUA). Nessa lista há alguns componentes surpreendentes. Amêndoa, abacate e óleo de coco, por exemplo, são conhecidos por serem calóricos. Por isso, pode causar estranheza vê-los incluídos em um cardápio para emagrecer. Mas o que se descobriu é que eles também prolongam a saciedade. Por essa razão, começaram a ser mais recomendados nas dietas, desde que consumidos com moderação.
A maçã, por sua vez, sempre foi uma boa pedida contra o peso porque tem poucas calorias e bom valor nutricional. Um estudo feito pela Universidade da Flórida (EUA) adicionou mais um motivo a seu favor. Os cientistas acompanharam 160 mulheres que ingeriram uma maçã seca por dia durante um ano e verificaram que a fruta ajudou na perda de peso não só por ser pouco calórica, mas devido à presença da pectina, fibra que eleva a saciedade.A comida pode auxiliar no emagrecimento também pela capacidade de alguns nutrientes de aumentar a produção de calor pelo corpo – o que significa queimar mais calorias. É um predicado dos alimentos termogênicos. “O consumo regular de pimenta, pimentões, gengibre, guaraná e chá-verde, por exemplo, acelera a queima de calorias”, explica a nutricionista Lucyanna Kalluf.Uma investigação do Centro de Nutrição Humana da Universidade da Califórnia (EUA) indicou que as pimentas, por exemplo, dobram a produção de calor até algumas horas depois da refeição em que foram consumidas. Os pesquisadores testaram os efeitos de uma substância similar à capsaicina das pimentas, o dihydrocapsiate, que não provoca ardor. Ela foi ministrada durante 28 dias junto com uma dieta de baixíssimas calorias a 17 pessoas que queriam perder peso. Outros 17 indivíduos seguiram o regime, mas receberam placebo. Entre os que ingeriram o composto, constatou-se que o gasto energético foi duas vezes maior. Mas aqui há uma controvérsia. Pesquisadores da Purdue University, também nos EUA, afirmam que só se pode usufruir dos outros efeitos atribuídos à pimenta, como a supressão do apetite – ela anestesia a sensação da fome – , se ela for ingerida ao natural. Os testes da Purdue University foram feitos com meia colher de chá de pimenta-vermelha picada nas refeições. Mas qualquer outra pimenta pode ser usada, pois a capsaicina está presente na maioria das pimentas frescas e secas.O caso das pimentas – capazes de aumentar a queima de calorias e a saciedade – é um bom exemplo da complexidade do papel que os alimentos desempenham no nosso organismo e de seu potencial para nos auxiliar na guerra contra a balança. Com o abacate, o óleo de coco e a canela, por exemplo, ocorre a mesma coisa. São considerados termogênicos e se descobriu que diminuem a sensação de fome. Em relação à canela, esse efeito ficou patente após pesquisa realizada pela Universidade de Lund, na Suécia. Os cientistas avaliaram o papel da canela na rapidez com que o estômago fica vazio após as refeições. Para isso, o estômago de 14 voluntários foi monitorado por ultrassonografia após a ingestão de 300 gramas de arroz-doce com e sem o condimento. O estudo constatou que o tempo de permanência da comida no estômago foi maior para aqueles que tinham consumido o doce com a canela.Na lista dos alimentos que ajudam a prevenir o ganho de peso também constam aqueles cuja digestão resulta na liberação mais lenta da glicose para o sangue. O açúcar é o combustível para o funcionamento das células, mas em excesso não só pode levar à diabetes como ainda ao acúmulo de peso. Ocorre que, se a digestão dos alimentos promove uma entrada muito rápida de açúcar no sangue – como é o caso dos pães e doces, de muito fácil digestão –, o pâncreas precisa liberar mais insulina, hormônio que permite a entrada dessa glicose para dentro das células. Mas essa solicitação tem um preço. O desequilíbrio na produção desse hormônio piora a ação da própria insulina, o que promove uma espécie de resistência do corpo ao seu funcionamento. Ou seja, ainda que o corpo libere mais insulina, ela não é suficiente para tirar o açúcar do sangue. A consequência é que isso dificulta a queima da gordura, processo que só entra em cena depois que os estoques de glicose são consumidos, resultando em ganho de peso. Mas há outros desdobramentos. Por causa do mecanismo de resistência, a glicose não entra nas células em quantidade suficiente e o organismo fica sem energia, o que torna constantes o desejo de comer e a sensação de fome. Os alimentos que evitam esse problema são os de baixo índice glicêmico. Entre alguns dos exemplos estão a ameixa, o damasco e o kiwi. Diante de tantas opções, é só usar o bom-senso, equilibrar a dieta e escolher o menu mais indicado para comer, e mesmo assim emagrecer.
FONTE: ISTO É

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